Drummond


Antologia Poética Carlos Drummond de Andrade parte 1
Por: Maria de Fátima Gonçalves Lima

Drummond é desses poetas q aparecem de tempos em tempos e conseguem apreender e refletir poeticamente as inquietações de uma época.
Nomenclatura/polissêmico
Poeta maior/plurisignificante

Um eu todo retorcido

A poesia é a arte q se manifesta pela palavra e o seu objeto é o reino mágico e infinito do espírito. O filósofo contempla o mundo exterior, idéias gerais, objetivas, universais. O poeta contempla o mundo interior, idéias particulares, subjetivas, dentro dos seus limites pessoais. No entanto, paradoxalmente, ao contemplar o próprio reino, o poeta descobre o mundo inteiro.
A poética de Carlos Drummond de Andrade exercita esse imbricamento entre os mundos subjetivo e objetivo, entre o “eu” e o mundo exterior. Porém, nas primeiras obras pode ser observado um conflito entre o eu versus o mundo. Ao contemplar as águas da vida, o poeta viu imagens de um indivíduo desajustado, marginalizado, á esquerda dos acontecimentos, portanto um gauche: “Quando nasci, um anjo torto/ desses q vivem na sombra/ disse: Vai, Carlos! Ser gauche na vida. Gauche é um adjetivo francês q, no caso, significa “sem jeito”, de esquerda, ás avessas, tímido; é também postura peculiar ao poeta em face de si e do mundo. Caracteriza ainda o contínuo desajustamento entre a sua realidade e realidade exterior. Há uma crise entre sujeito e objeto q, ao invés de interagirem e se completarem, terminam por se opor conflituosamente.
O “Poema de sete faces” abre Alguma Poesia (1930), a primeira obra publicada de Drummond. Neste poema, o tema do gauchismo é apresentado pela primeira vez e contém uma síntese de vários aspectos q caracterização a obra de do autor no futuro. O poema apresenta sete estrofes q, aparentemente, nada têm a ver em si. Porém, sete é um número mágico, alquímico, simboliza, entre outras coisas, a arte e a perfeição.
Através das sete faces/ estrofes o poeta exprime sua solidão em face das coisas e das pessoas q o cercam. Fora de si mesmo a realidade nada lhe diz senão q ele está sozinho com a sua timidez e sua falta de jeito para viver, q lhe veio de nascença. Não fosse a inquietação dos homens, a vida seria mais bela. De súbito, o poeta faz um comovido apelo a Deus, nascido da consciência da sua própria fraqueza. Diante dela o mundo lhe parece vasto e o “eu” poético não vê a possibilidade de se fazer entender, mesmo apelando ironicamente para uma rima como solução. No entanto, ele sabe q vasto tbm é o sentimento q carrega em seu coração. Para contê-lo, apela para um recurso típico da sua maneira de ser, na última estrofe, atribuindo sua emoção á bebida e a beleza da lua.
O gauchismo do “eu” lírico é anunciado por “Um anjo torto”: Quando nasci, um anjo torto/ desses q vivem na sombra/ disse: Vai, Carlos! Ser gauche na vida. Os anjos são comuns nas histórias religiosas, como é o caso do anjo Gabriel, q ordena a José q fuja de Jerusalém com o menino Jesus. Os anjos bíblicos geralmente são bons, prenunciam coisas boas e auxiliam as pessoas a encontrar melhor caminho; enfim, são anjos de luz, como observam algumas sugestões didáticas de leitura, como as q foram elaboradas por William Roberto Cereja e Lygia Mariana Moraes. O anjo q aparece ao “eu” lírico é o contrário da imagem religiosa: é “torto”, vive “na sombra”, tem um olhar incerto, expressão enigmática e irônica. É um anjo barroco, como aqueles das igrejas mineiras, marcados por mistérios, contradições e linhas q oscilam entre o bem e o mal. É esta figura cheia de estranhamento q prediz o futuro gauche do poeta e, é este o momento q a arte adquire forma, voz, ação e revela suas 7 faces ao grande poeta Carlos Drummond de Andrade.
Fazendo uma interpretação simples, poderíamos dizer q, diante do sombrio anúncio, o “eu” lírico vê o mundo vazio e superficial e as relações humanas parecem ser mediadas apenas pelo desejo: As casas espiam os homens/ q correm atrás de mulheres./ Á tarde talvez fosse azul,/ não houvesse tantos desejos. Porém, foi através do verbo anunciado q o nosso artista descobriu a palavra poética e seguiu seu caminho de sons, vocábulos, imagens, alquimia e a marca do humano. A partir daquele instante, o poeta fez da rima, não uma solução, mas uma ponte entre o homem e sua própria humanidade perdida na falta de sensibilidade e arrogância.
Drummond traz na alma os sentimentos deste mundo q é mais gauche do q o artista. Este artista, apesar do aparente orgulho e individualidade, traduziu sempre o sentimento + nobre q existe no mundo: o amor ao próximo e fez de sua poesia a sua vitória verbal, ao traduzir nas 7 faces da palavra poética todo o lirismo q o mundo precisava possuir.
Este sentimento de solidariedade do autor se estende ao homem do povo chamado “José”. Esse personagem pode ser uma encarnação do próprio poeta, mas tbm a do ser humano seu semelhante, q sofre todas as dificuldades e decepções desta vida, mas continua a viver com obstinação, apesar de não ter nenhuma perspectiva, nem mesmo para aonde ir:

E agora, José?
A festa acabou,
A luz apagou,
O povo sumiu,
A noite esfriou,
E agora, José?
E agora, você?
Vc q é sem nome,
Q zomba dos outros,
Vc q faz versos,
Q ama, protesta?
E agora, José?

José é mais gauche do q Carlos, ou qualquer outro gauche poetizado por Drummond. É uma invenção mais apurada. No Carlos, o “Poema de 7 faces”, o poeta se reconhece como gêmeo, mas José está a meio caminho entre ele e o leitor. O “eu” de José é ainda mais retorcido, mais gauche, mais torto, mais sombrio do q o de Carlos. Principalmente, José não tem lastro familiar, não tem sobrenome, não sabe de onde veio nem para aonde vai. Tem a chave na mão, mas não existe porta. Quer voltar ao passado, mas o passado secou. Suas alternativas não passam de hipóteses seguidas de reticências, de vazios, do nada. Até a morte lhe é estranha. José é a essência do ser aporético, q não encontra saída nenhuma na vida. É o chamado zero á esquerda, pessoa sem valor, sem nada, niilizado, símbolo de uma era de massificação, época de objetos e de não sujeitos.
José surge em 1942, como parte de Poesias. O poema q dá título ao livro, sintetiza as preocupações básicas do poeta neste momento: a consciência de seu ser-no-mundo e o questionamento do sentido da existência humana. Através da luta com as palavras, Drummond busca expressar essa conexão eu-mundo. Relação ainda bastante conflitiva, fruto da autonegação, da solidão q invade o artista da palavra, culminando na necessidade de adoação da máscara, José, a persona, através de quem fala o ser qualquer. José é um livro em q o “eu” lírico, desencantado, percebe a sua solidão e a falta de perspectiva q o grande mundo o oferece. O poema “A bruxa” expõe esse momento de conscientização da solidão do homem no quarto, na América, no mundo: Nesta cidade do Rio,/ de 2 milhões de habitantes, / estou sozinho no quarto, / estou sozinho na América.// Estarei mesmo sozinho/ Ainda há pouco um ruído/ anunciou vida a meu lado./ Certo não é vida humana,/ mas é vida. E sinto a bruxa/ presa na zona de luz.
A tomada de consciência da própria condição de solitário, leva a construção de um desejo de poetizar sobre a vida, naquilo q ela oferece não de pior, mas de prazer. Daí a necessidade de encontrar um amigo q seja leitor de Horácio, q saiba viver secretamente os prazeres da vida e ser principalmente amigo. Porém, a realidade é uma grande beco sem saída, é uma noite de confidências assustadoras, de vozes q ressoam como os gritos da bruxa a atordoar a paz, a esperança de ter as mãos dadas com o companheiro e ter fé no futuro. O “eu” lírico é um José sem festa, sem minas, sem ouro, sem crença e amigo, um eu todo retorcido marcado por profunda angústia e solidão.
O poema de Drummond é flor vida q se contrapõe á náusea da esterilidade dos seres insensíveis e sem essência. “A flor e a náusea” traduz uma forte carga existencialista. O existencialismo é uma variante da temática social do livro A rosa do povo.

A flor e a náusea

Preso á minha classe e a algumas roupas
Vou de branco pela rua cinzenta .
Melancolias, mercadorias espreitam-me.
Devo seguir até o enjôo?
Posso, sem armas, revoltar-me?

Olhos sujos no relógio da torre:
Não, o tempo não chegou de completa justiça.
O tempo é ainda de fezes, maus poemas,
Alucinações e espera.
O tempo podre, o poeta podre
Fundem-se no mesmo impasse.

“A flor e a náusea” reflete sobre a própria natureza do poético e sua função social. Tal reflexão exala perfume e náusea ao mesmo tempo, faz apologia á paz, fala da guerra e dos horrores da humanidade, ressaltando o branco em oposição ao cinza para expressar as contradições e dificuldades q a poesia social diariamente enfrenta.
A flor-poesia revela a consciência da limitação do poema chamado social e considerado por muitos como “poema sujo”, “poesia impura” ou “anti-poesia”. A flor-poesia é malvista, maldita, nasceu na rua, no asfalto, não possui cor e nem pétalas, seu nome não está nos livros./ É feia. Mas é realmente uma flor poesia revolução.
É nauseante a idéias de q o poeta pode até defender ou denunciar os problemas da carência humana, mas não pode resolvê-los de forma prática.
Esta circunstância de impotência diante dos problemas da vida provoca enjôo e revolta num poeta q tem dentro de si, um coração maior q o mundo e todos os sentimentos dos homens. Sua vontade é dar um grito de paz através da sua rosa. Este ato é coerente para quem escreveu dizendo Pôr fogo em tudo, inclusive em mim./ Ao menino de 1918 chamavam anarquista./ Porém meu ódio é o melhor de mim./ Com ele me salvo/ e dou a poucos uma esperança mínima. Nesses versos de “A flor e a náusea”, Drummond depõe sobre um curioso episódio de sua vida q, graças a um incidente com um professor de Português, ele seria expulso do colégio Anchieta, em Nova Friburgo, no RJ. Tinha Drummond seus 17 anos e nesta ocasião foi acusado de insubordinação mental e anarquista. O jovem denominado revolucionário tornou-se um dos maiores poetas da língua portuguesa e o professor de português ficou na história marcado por sua incoerência e insensatez, por sua visão retorcida sobre a educação e sobre o homem.
Esgarça- BREJO DAS ALMAS- MENINO ANTIGO – ESQUECER PARA LEMBRAR
Foi através da leitura q o jovem poeta adquiriu e desenvolveu reflexões críticas sobre a realidade. Algumas leituras foram decisivas para a formação do Carlos poeta q, de sua Itabira do Mato Dentro, observava o cosmopolitismo da cidade grande ou dos países em evidência. Daí a ironia ao seu mundo interior revelado por um anjo torto/ desses q vivem nas sombras da timidez e, talvez como o próprio poeta, também um gauche provinciano seqüestrado pela vida besta, como certa vez observou Mário de Andrade.
Veia Irônica- Semântica – Reles- Insuportável mau cheiro da memória- INFANTE
Ao deus dará = q significa á toa, sem governo próprio, a reboque, descuidadamente, a esmo, ao acaso, devagar.
Carlos Drummond é um Poeta Maior e, como tal, trabalha temas metafísicos ou políticos, portanto universais.

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